Porque é que quase não existem livros sobre editores em Portugal?
- Zestbooks editores
- 3 de out.
- 2 min de leitura

Se pensarmos bem, é estranho: vivemos rodeados de livros, falamos de autores, discutimos preços, feiras, hábitos de leitura — mas quase nunca falamos de quem torna possível que os livros existam: os editores. E mais raro ainda é encontrarmos livros ou estudos sobre… edição. Porquê?
A resposta não está num único fator, mas num conjunto de razões que se foram acumulando ao longo de décadas.
Do lado económico, o problema é claro: o mercado é minúsculo. Poucos profissionais compram livros sobre edição, muitos esperam recebê-los como oferta institucional e quase ninguém paga para ler sobre a “concorrência”. Resultado: publicar reflexão sobre edição não compensa financeiramente, ficando quase sempre fora das prioridades das editoras.
Mas não é só economia. Há também questões culturais e sociais. O setor editorial português habituou-se a ser fechado e autocentrado. Quando publica sobre si próprio, fá-lo em tom comemorativo — catálogos de aniversários, memórias de casas editoriais — mais para prestigiar do que para analisar criticamente. O editor, mesmo entre pares, continua a ser visto como mediador invisível, alguém que “descobre” autores ou trata da parte técnica, mas não como criador cultural autónomo.
O Estado e a academia reforçaram este enquadramento. As políticas públicas para o livro focaram-se em leitura, tradução e acesso, mas raramente no trabalho editorial em si. O ensino especializado em edição foi sempre residual — ao contrário de países como Espanha ou Reino Unido — e a investigação sobre o setor quase inexistente. Quando o editor surge nos estudos, é quase sempre como nota de rodapé na carreira de um autor.
E há ainda a história política. O Estado Novo, com censura e corporativismo, bloqueou qualquer reflexão independente sobre edição. Depois do 25 de Abril, surgiram muitas novas editoras, mas sem tradição reflexiva: trabalhavam em urgência e improviso, priorizando a liberdade de publicar e os autores proibidos, não a construção de memória crítica.
No meio disto, o mercado concentrou-se em poucos grandes grupos, o que reduziu ainda mais a diversidade de narrativas e de reflexão editorial.
O resultado? Um círculo vicioso: não se escreve sobre editores porque eles são invisíveis, e eles permanecem invisíveis porque não se escreve sobre eles.
Romper este ciclo exigiria dar à edição — e ao editor — o estatuto de prática cultural digna de estudo, preservação e valorização. Só assim será possível construir, em Portugal, uma tradição crítica que mostre que a edição não é apenas uma infraestrutura para a literatura, mas um campo cultural em si mesmo.


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